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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Morrer está bem, mas sem passar frio!

Era a segunda semana que estava fora do meu país, do meu sossego. Tinha chegado numa quarta feira  à Irlanda do Norte e depois disso tinha trabalhado 7 turnos seguidos de 12 horas. Estava cansada mas contente por ter o meu primeiro dia de folga. A minha colega de casa no dia anterior tinha-me dito que me ia mostrar a pequena cidade em que vivíamos quando acordássemos. Tinha chorado quase todas as noites depois de lá chegar. Metade por culpa do choque de estar longe, outra metade por culpa do frio para o qual não estava preparada para sentir em pleno fim de Abril. Naquela noite não chorei. Aterrei na cama e dormi que nem um bebé.

Eram 10 da manhã, estava ainda a dormir e eis que acontece! BOOOOOOOM.......o maior estrondo que alguma vez ouvi. A minha cama tremeu, a minha janela vibrou, o meu coração parou. Estava na Irlanda do Norte. Rapidamente raciocinei que só poderia ser uma bomba. Naqueles pequenos largos segundos percebi que tinha chegado a minha hora. "Vou morrer. Vim eu de tão longe para morrer. Não queria morrer aqui, sozinha. Vou morrer!". Fechei os olhos, apertei nas minhas mãos os cobertores e esperei. Esperei que a morte me levasse. Não vi a minha vida a passar-me pelos olhos, como se diz. Pensei nos meus pais, como lhes ia custar. Pensei no meu namorado e na minha família e amigos. Pensei que ia ser um choque para todos e como ninguém ia estar preparado para esta notícia. Daqui não saio. Morro quentinha. Juro que pensei nisto. Morro quentinha. Morro quentinha.

BOOOOOOM.......segundo estrondo. Mais pequeno, mas claramente mais perto! Outra bomba? Não podia ser. Isto foi dentro de casa! Ouvi passos. Muitos passos. Não percebo!! Ouvi uma voz do outro lado da parede.

"Rita, o que é isto??"
Era a Sofia.
Não respondi. Não tive forças. Não me mexi. Queria morrer quentinha.

"Que é isto? Que é isto?"
A Sofia tinha sido bem mais inteligente que eu e ao som da primeira "bomba" saltou da cama e trancou a porta do quarto. O segundo estrondo era alguém a tentar entrar-lhe no quarto. Eu, como achei que trancar a porta não me ia safar duma bomba, bastou segundos para que a minha porta se abrisse. Era um polícia. Colete à prova de balas e de mão na arma. Um armário.

"Já estão a evacuar as casas? A bomba foi mesmo agora!"

"OUT! NOW!" Gritou o polícia.
Já não ouvia a Sofia.
Não me mexi. Não consegui. Não sabia mexer as pernas.

"OUUUUUUUT!"
Espera, este polícia não está aqui para me ajudar. Está zangado e mau! E tem a mão na pistola.

Muito a custo lá me saiu a primeira palavra: "what?". Naquele momento o meu inglês não dava para mais.

"Downstairs, now! GO!"
Consegui sair da cama, a tremer, mas já não era do frio.
Virei a esquina da porta do quarto e vi a Sofia. No chão, a chorar. Ela tinha o seu próprio polícia a gritar com ela. Eu tinha o meu.

"DOWNSTAIRS" gritavam. E outra vez. E outra vez.
Desci dois degraus. Mas já não consegui descer mais. As pernas falharam-me e bati com o traseiro no chão. Tinham de me dar dois segundos para pensar. Olhei de relance para a porta da entrada. Mas não a vi. Vi a estrada. E os carros. E a casa do vizinho da frente. A porta estava no chão, feita em bocados. E então tudo ficou mais claro na minha cabeça. Não havia bomba nenhuma, ninguém estava ali para nos ajudar e se não descermos estes polícias maus ainda sacam mesmo da arma.

Só aí reparei que estava lá outro polícia. Mas era mulher. Era loira, de olhar meigo e a única que não nos estava a tratar como se de assassinas nos tratassemos. Pediu por favor para não chorarmos mais, para termos calma e para descermos, que nos iam explicar tudo.

E assim foi. Descemos. Não queria acreditar quando vi o estado daquela casa. Rapidamente contei a quantidade de brutamontes que estavam na nossa sala. Eram 7 polícias, todos armados até aos dentes. Todos enormes. Sete. Para duas raparigas estrangeiras que não sabiam o que estava a passar. Rapidamente nos rodearam. Nós não falamos.

Estenderam-nos um papel cor de rosa. Era um mandato de busca. Que não era para nós, mas sim para o anterior inquilino.
Falaram mais um bocado, nós acalmamo-nos. Não andavam atrás de nós. Queriam outra pessoa. Um pequeno erro de calculo, digo eu. Erro esse que quase me mata mesmo, de ataque cardíaco.

Já mais relaxada e numa de tentar aliviar a tensão que se fazia sentir na sala, digo para os polícias:

"You could just knock. We would have opened."

Ao que o polícia responde, muito frio e cru:

"We don't knock."

Rita


PS: se estiverem a pensar na porta, esse foi exactamente o meu dilema quando comecei a ter algum raciocínio lógico. Olha agora vamos dormir sem porta?? Nada disso. Os senhores polícias de intervenção têm tanto de maus como de carpinteiros. Trocaram a pistola pelos martelos, e parafuso para aqui, martelada para acolá, tinhamos a porta no sítio. Toda amassadinha, mas no sítio. 

Vivi 4 longas semanas naquela casa.



segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sotaque ou demência?

Conversa entre a minha pessoa e uma doente nos seus 75 anos:


Hi Mary! Are you ok?

AM I GAY?!? I really don't think you should be asking me that. Very inappropriate!

No no no, I said ARE YOU O.K.?

Ooohhhh.....well, not quite. I think I might be gay!



Sem saber bem se me devia rir ou não, fiquei na dúvida se a culpa era minha, da surdez ou da demência. Pelo sim, pelo não, no fim do turno fui para casa treinar o meu sotaque british!




Rita




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ela? Outra vez?

Sim, estou de volta. Porquê, não sei.
Desde a minha última mensagem muito mudou na minha vida. Sendo eu agora uma miúda emigrada, estava eu aqui na terra a passar umas férias, e ocorreu-se-me que em tempos tive um blog e lá vim eu cheirar e ler tudo que escrevi numa outra vida, que já parece tão distante.
Tão modesta que sou, dou por mim a ler e a rir-me feita tolinha das minhas próprias piadas de trazer por casa. Coisa digna de que lança os foguetes, faz a festa e apanha as canas.
O certo é que dei comigo a pensar que já não me lembro muito bem porque nunca mais me lembrei deste meu cantinho narcisista. E porra....quero voltar! Mais que não seja, de mim para mim!
 
Aquando do meu último texto estava convicta que iria continuar por cá assiduamente. Está visto que não! E passo a tentar elucidar-me porquê.
 
Emigrei. Primeiro facto (sim, continuo sem saber escrever sob as regras do acordo ortográfico. E não, não me dou ao trabalho de passar isto pelo corrector automático). Ora, quando saí de Portugal no dia histórico de 25 de Abril do ano passado fui para a Irlanda do Norte. Muito embora o País fosse lindíssimo e as pessoas simpatiquíssimas, bastou-me 8 meses para ter demasiadas histórias para contar. Mais do que qualquer pessoa desejaria. O facto de ter passado uns largos tempos sem internet e sem acesso à civilização em geral deixou-me assim, esquecida deste meu mundinho.
 
8 Meses passados disse basta. Não era bem aquilo que eu queria para mim e estava mais que na hora de mudar de rumo. E eis que estou há quase um ano em Inglaterra, numa cidade e num trabalho que me agrada, calminha da vida, e sem perspectivas futuras de voltar.
 
E antes que me comece para aqui a lamentar como é dura a vida do emigrante, e ai jesus que Portugal está pelas horas da morte, vou parar de escrever e ir ali aproveitar as minhas férias (qui ça comer um pastelito de nata ou dois), desta vez com a promessa de voltar e contar uma ou outra aventura que vou passando por terras de nossa majestade.
 
Até porque ontem foi o baptizado do Jorginho e eu ainda não me recompus da emoção.
 
;)
Rita